sábado, 29 de janeiro de 2011

Existe uma lenda,

acerca de um pássaro que só canta uma vez na vida, com mais suavidade que qualquer outra criatura sobre a terra. A partir do momento em que deixa o ninho, começa a procurar um espinheiro-alvar, e só descansa quando o encontra. Depois, cantando entre os galhos selvagens, empala-se no acúleo mais agudo e mais comprido. E, morrendo, sublima a própria agonia e despede um canto mais belo que o da cotovia e o do rouxinol. Um canto superlativo, cujo preço é a existência. Mas o mundo inteiro pára para ouví-lo, e Deus sorri no céu... Pois o melhor só se adquire à custa de um grande sofrimento... Pelo menos, é o que diz a lenda.

"Eu sei... Cada um de nós tem dentro de si alguma coisa que não pode ser negada, ainda que nos faça gritar, gritar até o fim. Somos o que somos, e pronto.Como a velha lenda celta do pássaro com o espinho no peito, que canta até morrer. Porque precisa fazê-lo, porque é levado a isso. Podemos saber que vamos errar antes até de cometer o erro, mas o conhecimento de nós mesmos não afeta nem muda o resultado. Cada qual entoa o seu canto, convencido de que é o canto mais maravilhoso que o mundo já ouviu. Você não vê? Criamos nossos próprios espinhos e nunca nos detemos para avaliar o custo. A única coisa que podemos fazer é sofrer a dor e dizer intimamente que valeu a pena.


                                                                                     (pg. 491)


"O pássara com o espinho cravado no peito segue uma lei imutável; impelido por ela, não sabe o que é empalar-se, e morre cantando. No instante em que o espinho penetra não há consciência nele do morrer futuro; limita-se a cantar e canta até que não lhe sobra vida para emitir uma única nota. Mas nós, quando enfiamos os espinhos no peito, nós sabemos. Compreendemos. E ainda assim, o fazemos. (pg. 668)

                                                                                               (Pássaros Feridos)



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